Sobre lobos solitários e cabeças da alcateia
Radicalização é um projeto da extrema-direita global que tem consequências
Na fila de uma lanchonete, enquanto esperava meu pedido, recebi simultaneamente alertas de veículos de imprensa e mensagens de um bom amigo advogado no WhatsApp. Os primeiros, mais cuidadosos - como bem cabe à imprensa ser - falavam de explosões na Praça dos Três Poderes. Já meu amigo, vivido, sentenciava corretamente: atentado terrorista contra o STF.
Em questão de minutos, diversos dos grupos dos quais participo estavam em chamas, tentando descobrir o máximo possível com o mínimo de informação que ainda era disponível. Não é exagero dizer que, hoje, grupos de WhatsApp substituem em tempo real clippings de mídia. Dentro de meia hora, já se sabia que o dono do carro em que rojões foram explodidos era de Rio de Sul, em Santa Catarina. Que havia sido candidato a vereador pelo PL, partido da família Bolsonaro e de exóticas figuras que só o fascismo sabor verde e amarelo consegue produzir. E que, muito provavelmente, era ele a vítima fatal do atentado a bombas e rojões à mais alta Corte do país.
Logo, foi descoberto o seu perfil aberto no Facebook, que trazia um diário em que descrevia seus planos com exatidão, demonstrava seu acesso sorridente dias antes ao plenário do STF, e destilava uma série de teorias da conspiração gestadas no submundo virtual da extrema-direita global. Em comum, uma repetição nauseante das tantas teses emanadas por anos pelos golpistas que clamaram aos quatro ventos que queriam desfechar uma ditadura em que se fechasse o Supremo e se perseguisse os adversários. Por trás do cheirinho de café e bolo de fubá quentinho em casas de vovós pelo país, se escondia às claras a face asquerosa do fascismo.
Sim, há pouco nexo na narrativa do homem meia bomba, mas uma colcha de retalhos de palavras de ordem e chamados à ação que correm no esgoto a céu aberto de mídias sociais. Mensagens sopradas por maus atores tanto de forma clara quanto por meio de apitos de cachorro, para esconder sua mensagem por trás de sinais os quais somente os extremistas compreendiam uma certa negação plausível.
Que os escritos agressivos do terrorista frustrado, que violentam em igual medida a lógica e a norma culta, possam bem ser reflexos de uma cabeça doente, é necessário deixar em segundo plano a importante discussão sobre saúde mental. Não, a bomba (metafórica) na mão do tal Tiü Franca foi-lhe entregue por gente que usa cargo, dinheiro e influência para dinamitar as instituições.
É fácil tentar limitar o atentado frustrado a um lobo solitário, a um maluco que “coringou”. Não acredito, sinceramente, que ele fosse um ponta-de-lança de um movimento terrorista, e tenho quase certeza de que a atitude suicida e potencialmente homicida foi planejada e concebida somente no porão mental do catarinense filiado ao partido do Jair Bolsonaro. Isso, de fato, tem pouca para nenhuma importância.
Que seja fundamental discutir saúde mental em um mundo em rápida e constante mudança, cujos contatos sociais têm muitas vezes sido substituído por trocas frenéticas de mensagens em grupos ou mídias sociais nos quais algoritmos criam câmaras de eco, me parece claro.
Mas resta evidente que esse processo não se desenvolve no vácuo. De forma nenhuma. A radicalização de uma massa da população, via desinformação, teorias da conspiração, palavras de ordem, chamados à ação e violência, desumanização dos adversários, pânicos morais e apitos de cachorro, é um projeto da extrema-direita. Hoje, esses são os maiores inimigos da democracia e da institucionalidade. Da harmonia social e da urbanidade. Dos pilares que erigem uma sociedade.
No Brasil, a cabeça dessa alcateia é o Jair. Ele é culpado do “lobo solitário catarinense”? Diretamente, óbvio que não. Mas ele é o atiçador da multidão. Ele é o fazendeiro que planta a semente dessa radicalização para colher o caos. Cada país hoje tem o seu - seja um (alegadamente) estuprador nos Estados Unidos, um perfeito idiota latino-americano na Argentina, netos de nazistas na Alemanha, bilionários “tech-bros”. E
nfim: o cardápio de facistóides contempla todos os gostos. São os mesmos que buscam anistia para seus crimes contra o Estado e a democracia, mas que prometem horizontes em que o sangue dos inimigos irrigue um sorridente amanhã. São eles que preenchem um vazio de ódio no coração de antes insuspeitos indivíduos que invadem e depredam os prédios dos Poderes.
Não há anistia possível para esses mercadores do caos. Não há perdão, porque no fundo não há por parte deles arrependimento, nem reflexão. As bombas que estouraram o carro e a cabeça do terrorista fracassado foram plantadas por anos no seio das instituições. E são mantidas aquecidas por aproveitadores daquela maçaroca chamada centrão, que nada mais é do que a direita clientelista. A cadela - ou loba solitária - do fascismo está sempre no cio. E não se pode baixar a guarda.
Importante colocarmos os pingos nos is.... Facismo está aí, com novas roupagens.
Seus textos me representam, so far, só que com muito mais brilhantismo. Parabéns.