O crime do bolsonarismo é amar demais
A incompetência como tese única de defesa da extrema-direita
Um alienígena que chegasse ao Planeta Terra na semana passada, logo após o terrorista meia-bomba explodir a própria cabeça, provavelmente ficaria positivamente impressionado com o espírito manso do ex-presidente do Brasil. Talvez o extraterrestre ficasse emocionado com o tweet em que Jair faz um singelo apelo para uma pacificação nacional, chocado que estava com a tentativa de atentado daquele que ele descreveu como um maluco.
Esse mesmo ET deve ter se perguntado como aquele país chegava a tal ponto de desunião, se o líder de quase metade da nação pede a paz de forma tão inequívoca. E chegaria, por lógica (supondo que em outros planetas o processo lógico caminhe pelas mesmas linhas que na Terra), à conclusão de que, se paz não há, só pode ser por culpa do grupo político ora no poder. Impressão que seria reforçada pela provocação chula da primeira-dama desse país a um bilionário estrangeiro.
Contudo, o espírito curioso desse alienígena seria aguçado pelo noticiário dessa manhã. Noticiário no qual é revelado a todos - sejam eles alienígenas ou parte da turma que chamava ETs com celulares na cabeça após as eleições de 2022 - que um grupo de militares de elite do Exército brasileiro, um deles um general que atuou no gabinete do Jair Bolsonaro, tramou um plano que previa a morte por envenenamento do presidente eleito e de seu vice, além da execução de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
É até provável que esse extraterrestre tivesse dificuldade de acreditar no início. Em nenhum planeta do sistema solar, ou mesmo fora dele, um grupo militar supostamente de elite, operações especiais, teria integrantes de seu alto escalão tramando algo tão primário e de forma tão idiota: uso de computador no Palácio do Planalto, troca de informações por apps de mensagens, reunidos sob a batuta do candidato derrotado a vice-presidente e considerando atos de força inimagináveis. Ou tal plano é uma fantasia criada pelos inimigos, ou o Exército daquele país é gerido por imbecis, pensa consigo o homem do espaço.
De repente, o ET passa a ler vorazmente tudo o que pode sobre a história recente desse país. E, nessas leituras, descobre que o ex-presidente, que parecia uma pomba da paz na sua mensagem pós atentato frustrado, é um fanático defensor da ditadura militar que ocorreu nessa nação. Mais do que isso: admirava não os generais que geriram o país, mas um dos sádicos que comandou a máquina de tortura sob o manto do aparato estatal.
Saberia que esse mesmo ex-presidente, que minimizou a tentativa de atentado, também foi defenestrado do exército por ser um mau militar, e que tinha planejado explodir um quartel e uma adutora de água - com desenho e tudo num papel. Saberia que a carreira política desse sujeito foi construída com declarações homofóbicas, misóginas, racistas e de desprezo absoluto pelos direitos humanos. Não sei se hipocrisia é algo comum no planeta de origem do nosso amigo ET, mas ele entendeu bem esse conceito ao tornar a ler o tweet com pedido de paz.
Mais algumas leituras e ele descobre que durante 4 anos esse ex-presidente passou muito tempo agitando sua base de apoio em manifestações de caráter golpista, que pediam fechamento dos outros poderes e, na prática, uma ditadura sob o comando do gestor de rachadinha. Toma conhecimento de que esse mesmo político criou e espalhou uma série de teorias conspiratórias sobre o processo de votação do país, e entregou seu povo à própria sorte durante a maior pandemia global em um século.
Soma-se a isso o atentado fracassado ao Supremo Tribunal Federal, a tentativa fracassada de explodir o aeroporto da capital do país, a tentativa fracassada de, por intermédio de invasão e depredação dos prédios dos Poderes, provocar uma intervenção militar. Não esquecendo todas as tramas - por intermédio de minutas golpistas, de processos com clara litigância de má-fé apontando inexistente fraude nas eleições -, as diversas mensagens e apitos de cachorro lançadas por mídias sociais para manter mobilização, as complacência militar com os acampamentos ilegais que clamavam por golpe.
Tudo o que une o bolsonarismo tem o selo do fracasso, mas as intenções sempre foram as piores possíveis. As mais sanguinárias possíveis. No horizonte bolsonarista, a palavra pacificação é o estado final da revolução reacionária que só terminaria quando o último representante de minoria for enforcado com as tripas do último progressista.
Quando já estava enojado de entender do que se trata de verdade o bolsonarismo, o extraterrestre teve um último exemplo do processo de criação de narrativas dessa extrema-direita. Pela pena do filho 01 do Jair, surge um argumento do mais puro jus imbecilus: pensar em matar um ministro de supremo e os presidente e vice eleitos não é crime. De fato, os pensamentos, por mais perturbadores que sejam, não são crime se não produzem ações. Mas, no caso em tela e em todos os outros que enredam as tramas golpistas dessa facção da sociedade, o apelo à incompetência não serve de argumento jurídico. Mais que desejo, houve planejamento, conluio entre homens de armas que não teriam dificuldade de transformar em realidade o que suas mentes decrépitas anseavam.
O acerto de contas com o império das leis caminha célere. E a penca de crimes cometidos pela corja - nos quais não se inclui, a despeito do sarcasmo no título, amar demais - produzirá penas adequadas. A única pacificação possível passa por não anistiar, não perdoar e nem esquecer.