Não existe direita democrática no Brasil
A diferença de um extremista e um moderado é a quantidade de farofa na camisa
O Brasil não tem uma direita democrática. Parece algo falacioso e temerário alguém que trabalha com análise política dizer isoso. Afinal, nesse país de sol, praia, samba e futebol - quatro entidades democráticas cada qual a seu modo - como que um espectro inteiro político pode estar alheio às regras que regem as disputas pelo poder? Deve ser excesso de esquerdismo ou burrice desse autor. Calma, acreditem em mim.
A verdade é que tivemos direita democrática. Nascida de uma centro-esquerda social-democrata que, num momento em que a polarização se dava entre contendores dispostos a seguir a regra do jogo e não a oposição entre o pescoço e a guilhotina, foi empurrada à direita pelo seu adversário eleitoral. Mas inequivocadamente ciosa dos limites que a Constituição e a ciência política impõem para merecer tal distinção.
Porém, na história do Brasil, a direita foi muito pouco exigida a exercitar seus músculos democráticos. Se as eleições pelos anos de Império e início da República eram um esporte da elite, houve ali alguma tentativa de se trazer o povo às urnas no pós-Estado Novo, quando os espectros se enfrentaram com diferentes graus de sucessos. Mas o advento da Ditadura Militar, cujo regime de força totalmente alinhado à direita perdurou por 20 anos, provocou uma certa carência de identidade da ala destra da sociedade.
No pós-regime militar, os partidos que surgiram da legenda de suporte da ditadura tentaram um rebranding de direita democrática e, justiça feita, cumpriram esse papel por três décadas. Descobriram ainda um nicho legislativo no qual poderiam manter posições conservadoras ao mesmo tempo em que ainda gozariam das benesses de apoiar o governo de turno - na direita, clientelismo cala mais fundo no peito dos patriotas do que ideologia.
Contudo, o furacão neofacho que permitiu a eleição do Jair Bolsonaro, o golpista de coração que chegou ao poder pelas urnas que ele despreza, transformou o ecossistema político e matou o espírito democrático da direita no país. Até os picaretas do dinheiro público puderam se declarar conservadores, enquanto os rapazolas do despertar político via think tanks bancados pela fortuna da indústria petrolífera e de televangelistas norte-americanos surgiram para mostrar que fascismo também se faz sem farofa no prato e no chão.
Não há, na direita, forças verdadeiramente empenhadas em exorcizar o reacionarismo de soluções simples, deselegantes e erradas para problemas complexos. Empenhadas em cultivar um ambiente realmente democrático, em que liberdade de expressão é não só a senha para oprimir minorias, na busca por um ontem de glórias que nunca houve.
Mesmo reacionários raiz, como o homem chamado Caiado, que ainda acredita nas virtudes de avanços do século XX como a vacina, sempre vão cultivar um acento hard droite, de rota na rua e pretos na cela ou debaixo do chão. Mas, vá lá, ainda pode se esperar que ele aceite o que sai da urna, ainda que o desagrade. Ou não, a prova do pudim é na hora de comer.
Mas a nova estrela desse facho moderado, que (alegadamente) não limpa o pau metafórico na cortina depois de te foder não metaforicamente, é o Tarcísio de Freitas. Thorcísio, o destruidor de martelos em leilões. Tarcisinho Itapemirim, que fechou os olhos para a maior impostura do setor aéreo desde a massa falida da Vasp. O enfant terrible que já foi empossado pelos endinheirados como nosso capitão rumo ao paraíso de pouco Estado e ainda menos proteção social. Que rejeita as hienas - animais fedorentos e traiçoeiros que se alimentam da carcaça da nossa institucionalidade - bolsonaristas apesar de posar com o bonézinho do fascista laranja do Norte. Laranja, a cor dos neointegralistas Personalité. Aqueles que, que embora tenham seu pateta do pão de queijo no banco de reservas, só querem a senha pra trocar os sapatênis pelos coturnos.
A sombra do Bolsonaro ainda assombra o espectro político, menos pela desenvoltura com que salivava indignidades, e mais pela identificação dos eleitores de direita com os perdigotos verbais. Há, lógico, aqueles que decidem radicalizar da boca pra fora em busca desse voto - e são partes fundamentais do problema. Sempre disse que ao invés de moderar o Jair, esse recrudesceria os maus bofes do centrão, e a morte da direita democrática caminha por aí. Mas temo que o Tarcísio, mais do que um oportunista, seja um convicto.